domingo, 24 de maio de 2009


iógenes e o Cinismo (Aldo Dinucci - Dr. em Filosofia clássica pela PUC-RJ)Se você consultar o dicionário, verá como significado de “cínico” algo como “descarado, fingido”. Assim, “cínico”, nos nossos dias, é alguém dissimulado ou insolente. Os cínicos na antiguidade com certeza não eram dissimulados, pois se caracterizavam por dizer o que lhes passava pela cabeça sem papas na língua. A irreverência, porém, lhes era característica. Assim, os cínicos deram um passo além de Sócrates, pois esse se contentava com a ironia, com a qual abordava seus interlocutores para fazê-los falar mais fácil e confiantemente, e assim poder refutá-los. É-se irônico quando o sentido real do que se diz é o contrário do literal, e Sócrates era irônico quando, ao tratar com alguém que se considerava sábio, dizia querer ouvir suas “sábias palavras” sobre um determinado tema para então, através do diálogo, mostrar ao que se supunha sábio que ele não sabia o que julgava saber. Já um cínico vai direto ao ponto em suas críticas das opiniões e modos de ser dos demais: eles são realmente desaforados e atrevidos em suas críticas. E podemos dizer que essa irreverência é para eles um princípio educacional, um modo de fazer com que aquele que os escute grave de fato a crítica e reflita sobre ela, o que raramente acontece quando nos limitamos a conversar de modo “civilizado”. De fato, os cínicos perceberam rapidamente que nem sempre se consegue progresso com o diálogo, especialmente quando tratamos com pessoas muito teimosas, pessoas que acham que sabem o que não sabem (arrogantes) e pessoas infantis (imbecis). Assim, para os cínicos, o melhor modo de se chegar ao coração da maioria das pessoas é através de uma boa tirada, especialmente em público. E nós todos achamos engraçadas essas tiradas, pois, em diversos sentidos, somos também imbecis, infantis, arrogantes e teimosos, assim como a quase totalidade da humanidade. Um exemplo disso: certa vez Diógenes foi à casa de um homem rico que insistentemente lhe mostrava seus ricos objetos e dizia a Diógenes que esse não cuspisse em sua casa por serem caríssimos os objetos que lá estavam. Em determinado momento, Diógenes junta uma boa quantidade de saliva em sua boca e dá uma bela escarrada na cara do grego rico e este, estupefato, perguntando a Diógenes porque esse lhe fizera tal ultraje, obteve como resposta que sua cara foi o lugar mais sujo que Diógenes encontrou naquela casa. Trocando em miúdos: Diógenes poderia ter feito um belo diálogo com o grego rico para mostrar-lhe o quanto era tola a ostentação e que é um néscio aquele que, ao exibir seus objetos, pensa estar exibindo a si mesmo, pois crê serem suas as qualidades que, na verdade, são das coisas, enquanto, ao mesmo tempo, se desvaloriza, pois, com sua atitude, mostra valorizar mais as coisas que a si mesmo. Diógenes poderia ter dito coisas tais, mas fez melhor: com sua cusparada e sua resposta disse tudo isso e muito mais com menos palavras e mais efeito, pois, após ouvir um belo discurso contra a ostentação, você pode eventualmente esquecer (e em geral esquece) as razões pelas quais não se deve ostentar, mas como esquecer o essencial, quer dizer, o que há de ridículo e irracional na ostentação depois de se ouvir sobre a cusparada de Diógenes? A escola filosófica cínica teve como precursor Antístenes, um amigo de Sócrates, e por isso podemos dizer que o cinismo é uma filosofia socrática (assim como o estoicismo e o epicurismo, escolas também fundadas por amigos, amigos dos amigos ou admiradores de Sócrates e seus amigos, escolas que têm em comum e apóiam várias idéias concebidas por Sócrates). Muitos e muitos outros filósofos cínicos houve, por quase mil anos, até o movimento ser proibido por forças conservadoras que não apoiavam a liberdade de expressão e, conseqüentemente, o próprio cinismo. O termo “cínico” vem da palavra grega kuón, que significa “cão”, provavelmente por causa da identificação de Diógenes com os cães. Diógenes, o primeiro dos filósofos cínicos, nasceu há cerca de dois mil e quatrocentos anos atrás na Grécia, numa cidade chamada Sínope. Segundo as notícias que nos chegam da antiguidade, era filho de um banqueiro de nome Hicésias e se viu, conjuntamente com seu pai, envolvido num escândalo financeiro. Seu pai era o administrador do banco público de Sínope, e havia sido encarregado da tarefa de retirar moeda falsa de circulação. Ao invés disso, Hicésias retirou a moeda verdadeira como sendo falsa, sendo descoberto e desaparecendo de cena. Após isso, Diógenes foi banido de Sínope e para aí jamais voltou, tornando-se, desde então, um filósofo andarilho. Segundo Diógenes Laércio, filósofo alexandrino que escreveu a biografia dos filósofos célebres da antiguidade, Diógenes teria, chegando a Atenas, conhecido Antístenes. E Diógenes teria conquistado a amizade de Antístenes (que não queria discípulo nenhum) pela insistência, ainda que Antístenes o repelisse a golpes de bastão: “E quando Antístenes estendeu-lhe o bastão – diz-nos Diógenes Laércio-(...) Diógenes falou: “Bate, pois não encontrarás madeira dura o bastante com a qual me afastes, na medida em que eu pensar estares dizendo algo que eu queira ouvir”. Hoje, porém se sabe que Diógenes não conheceu de fato Antístenes (Diógenes chegou a Atenas depois da morte deste), mas é certo que Antístenes antecipou, como discípulo extremado de Sócrates, várias idéias que seriam desenvolvidas por Diógenes e pelos demais cínicos, sendo por isso considerado o precursor do cinismo. O cinismo teve Diógenes de Sínope como fundador, e isso se deu seja pela influência dos textos de Xenofonte ou Antístenes sobre o pensamento de Sócrates, seja por uma inspiração própria original que encontrou eco e sustentação nas idéias socráticas. 09/02/2008 Publicada por vivavoxsergipe

terça-feira, 19 de maio de 2009

Diógenes em confronto com Alexandre Magno
Muito significativas são as relações que Diógenes teve (ou que, em todo caso, a antiguidade lhe atribuiu) com Alexandre Magno. Especialmente interessantes são os confrontos com este, protagonista histórica da era helenista, e Diógenes que por muitos aspectos é sua antítese: trata-se de confrontos entre duas figuras, entre duas mensagens, que, justamente por ser antitéticas, são expressão de dois pólos espirituais da época. Citamos duas belas passagens, uma de Diógenes Laércio e uma de Plutarco, que estão entre as mais significativas. Certo dia Diógenes estava tomando sol no Craneu, quando chegou inesperadamente Alexandre e lhe disse: “Pede-me o que quiseres”. Diógenes lhe respondeu: “Não me faças sombra. Devolve meu sol”.
Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

É característica típica da alma do filósofo amar a sabedoria e os homens sábios: justamente esta foi uma característica de Alexandre, mais que qualquer outro rei. Quais tenham sido suas relações com Aristóteles já foi dito. Além disso, é atestado por numerosos autores o que segue: honrou mais do que todos os seus amigos o músico Anaxarco; na primeira vez que se encontrou com Pirro de Élida, deu-lhe dez mil moedas de ouro; a Xenócrates, parente de Platão, mandou cinqüenta talentos; escolheu Onesícrito, discípulo de Diógenes, como comandante de sua armada.
Quando foi discutir com Diógenes nas proximidades de Corinto, espantou-se e ficou tão maravilhado pela vida e pela posição assumida por este homem, a ponto que, freqüentemente, lembrando-se dele, dizia: “Se não fosse Alexandre, eu queria ser Diógenes”. O que significa: “Se eu não tivesse feito filosofia por meio das obras, em teria me dedicado aos raciocínios”. Alexandre não disse: “Se eu não fosse rico ou Argeades”; com efeito, não colocou a fortuna acima da sabedoria e a púrpura real e a coroa acima do bornal e do manto desgastado, mas disse: “Se não fosse Alexandre, eu seria Diógenes”; o que significa: “Se eu não me tivesse proposto reunir entre si os bárbaros e os gregos, percorrendo todos os continentes para levá-los à civilização, e de alcançar os confins extremos da terra e do mar reunindo a Macedônia com o Oceano para lançar as sementes da Grécia e difundir entre todos os povos justiça e paz, não estaria em ócio no luxo, mas imitaria a simplicidade de Diógenes”.
Plutarco, Sobre a fortuna ou virtude de Alexandre.
Exaltação do exercício e da fadiga
A vida do Cínico para Diógenes se baseava sobre o exercício e sobre a fadiga, considerados como instrumentos necessários para viver felizes, para saber dominar todos os prazeres e para alcançar a plena liberdade. Um tipo de vida como este levava o homem, por fora de todo vínculo social, a considerar-se cidadão do mundo inteiro, em uma dimensão cosmopolita.
Dizia que o exercício é duplo: espiritual e físico. Na prática constante do exercício físico formam-se pensamentos que tornam mais rápida a atuação da virtude. O exercício físico se integra e se realiza com o exercício espiritual. A boa condição física e a força são os elementos fundamentais para a saúde da alma e do corpo. Suportava provas para demonstrar que o exercício físico contribui para a conquista da virtude. Observava que tanto os humildes artesãos como os grandes artistas tinham adquirido notável habilidade pelo constante exercício da sua arte, e que os auletes (Tocadores de aulós, característico instrumento de lingüeta com dois canudos) e os atletas deviam sua proeminência a um assíduo e trabalhoso empenho. E se estes tivessem transferido seu empenho também para a alma, teria conseguido resultados úteis e concretos.
Sustentava por isso que nada se pode obter na vida sem exercício, ao contrário, que o exercício é o artífice de qualquer sucesso. Eliminados, portanto, os esforços inúteis, o homem que escolhe as fadigas requeridas pela natureza vive feliz; a ininteligência dos esforços necessários é a causa da infelicidade humana. O próprio desprezo pelo prazer para quem esteja a isso habituado é algo dulcíssimo. E assim como os que são avessos a viver nos prazeres, logo que passam para um teor de vida contrário, também aqueles que se exercitam de modo contrário, com maior desenvoltura desprezam os mesmos prazeres. Estes eram seus preceitos e a eles conformou sua vida. Falsificou realmente a moeda corrente, porque dava menor valor às prescrições das leis do que às da natureza. O modelo de sua vida, dizia, foi Héracles que nada antepôs à liberdade.
Interrogado sobre sua pátria, respondeu: “Cidadão do mundo”.
Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

Quem era

Diógenes o filósofo
Chegando em Atenas [Diógenes] deparou com Antístenes. Uma vez que este, que não queria acolher ninguém como aluno, o rejeitava, ele, assiduamente perseverando, conseguiu vencer. E, uma vez que Antístenes estendeu o bastão contra ele, Diógenes ofereceu-lhe a cabeça, acrescentando: “Pode golpear, pois não encontrarás um bastão tão duro que possa me fazer desistir de obter que me digas algo, como a mim parece que devas”. A partir daí tornou-se seu ouvinte e, desterrado como era, dedicou-se a um modesto teor de vida.
Teofrasto, em seu Megárico, conta que certa vez viu um rato correr de cá e de lá, sem meta (não procurava um lugar para dormir nem tinha medo das trevas nem desejava qualquer coisa considerada desejável) e, assim, cogitou o remédio para suas dificuldades. Segundo alguns, foi o primeiro a dobrar o manto pela necessidade também de dormir dentro dele, e carregava um bornal para a comida; servia-se indiferentemente de todo lugar para qualquer uso, para comer ou para dormir ou para conversar. E costumava dizer que também os atenienses lhe haviam providenciado onde pudesse morar:indicava o pórtico de Zeus e a Sala das procissões. [...]
Certa vez tinha pedido a alguém que lhe providenciasse uma casinha; como o outro demorava, ele escolheu como habitação um tonel que estava [na localidade do] Metroo, conforme ele próprio atesta nas Epístolas. No verão rolava sobre a areia ardente, no inverno abraçava as estátuas cobertas de neve, querendo de todo modo temperar-se para as dificuldades. [...]
Durante o dia vagueava com a lanterna acesa, dizendo: “Procuro o homem”.
Extraído de Diógenes Laércio, Vidas dos filóसोफोस।